sexta-feira, 19 de março de 2010

MÚSICA CLÁSSICA

O mundo da música será diferente em 2010. Pianos de todos os tipos, de todas as marcas, em todas as salas de concerto, em todos os cantos do mundo estarão em jubilo, em festa, em comemoração. Trata-se do bicentenário de Frédéric Chopin (1810-1849), o compositor que deixou na música romântica do século XIX grande parte de todas as belezas que um ser humano pode criar para a música pianística. Os teclados estarão mais lustrosos em sua homenagem, as percutidas cordas vão se enfeitar com brilho pelo duplo centenário de seu grande mestre, o pedal de qualquer piano de cauda vai executar o legato com mais doçura, mais sensibilidade e com infinita saudade desse monumento sagrado da composição romântica.




Chopin nasceu em 1810 em uma propriedade rural em Zelazowa Wola, perto de Varsóvia, filho de mãe polonesa e pai francês (expatriado). Fontes históricas indicam duas possíveis datas de nascimento - ou 22 de fevereiro, conforme consta nos registros da igreja, ou 1º de março, que foi mencionado nas cartas entre ele e sua mãe, e que é considerada a data mais provável. Não importa a exatidão do dia, mas a exaltação da música. Lembrar Chopin é para quem nunca quer esquecer de amar, de se emocionar, de sentir as notas entrarem pelos poros como febre, como êxtase de paixão. Chopin não inventou a beleza, mas mostrou que ela é infinita enquanto sua música é executada.



É certo que em nenhum outro lugar haverá tanto êxtase pelo bicentenário como na Polônia, notadamente em Varsóvia. “Frédéric Chopin é um ícone polonês, e não há nenhuma outra figura tão conhecida no mundo que tão bem represente a cultura polonesa”, disse Andrzej Sulek, diretor do Fryderyk Chopin Institute. O grau de seriedade das palavras de Sulek pode ser comprovado pela urna que preserva em álcool até hoje o coração do compositor, numa igreja de Varsóvia (Santa Cruz). Aos 39 anos, provavelmente tuberculoso (tossindo intensamente), Chopin teve medo de ser enterrado vivo e pediu que seu coração fosse separado do corpo, que está enterrado no cemitério Père Lachaise, em Paris, onde Chopin passou a segunda metade de sua vida.



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A celebração pelos 200 anos de seu nascimento parece não ter limite e envolve todo o globo. Um festival atrás do outro, concertos, missas, mostras artísticas, literatura, uma onda frenética de comemorações que fará de 2010 um ano especial e inesquecível para a música. Já em janeiro as comemorações se iniciaram na 16ª. edição de “La Folle Journée de Nantes”, talvez o maior festival dedicado à música clássica na França. O “Universo de Chopin” foi mostrado com apresentações de toda sua obra (em ordem cronológica) por mais de 40 pianistas. Cerca de 120 mil ingressos foram vendidos para os cinco dias do evento, uma prova inequívoca da atratividade do compositor.



Mas será no primeiro dia de março, em Varsóvia, que a celebração oficial se inicia com um Concerto de Gala no Stanislaw Moniuszko Auditorium (Teatro Nacional). Até o dia 7 de março, o pianista e maestro Daniel Barenboim, realizará recitais de Chopin em várias cidades da Europa (iniciou em fevereiro). Também em março, do outro lado do mundo, no coração dos Emirados Árabes, ocorre o “2010 Abu Dhabi Festival”, que este ano celebrará o bicentenário do compositor, numa festa monumental com a participação de nomes como o maestro Krzysztof Penderecki, o pianista Yundi Li, o trompetista Wynton Marsalis, e até a London Symphony Orchestra conduzida por Sir Colin Davis. Em maio estreia mundialmente o “Ballet Chopin,” coreografado por Patrice Bart para o Polish National Ballet. Em agosto é a vez do “65th Chopin Festival”, a ser realizado na localidade polaca de Duszniki-Zdrój, onde o compositor residiu a maior parte de sua vida criativa. Em outubro ocorre a final da 16ª. edição do “Frederyk Chopin International Piano Competition”. Também em março será reaberto oficialmente em Varsóvia o Fryderyk Chopin Museum, e no mesmo mês ocorrerá em Ontário o “Canadian Chopin Festival” (26 fevereiro – 07 março), dez dias de festa, música e até um concurso para piano (Third Canadian Chopin Competition).



O Parlamento Polonês declarou formalmente 2010 como o “Ano de Chopin”, e não o fez à toa. Inconformado com a situação de dominação de seu país, na época dividido entre Rússia, Prússia e Áustria, Chopin saiu em 1830 para uma série de recitais e nunca mais voltou a Varsóvia. Guerras, repressão, dominação soviética e toda a sorte de martírios sofreu o povo polonês desde esse período, tendo agora, como nação livre, a oportunidade de comemorar, e de certa forma reivindicar o legado do compositor (a França adora pensar que Chopin “lhe pertence”). Trata-se, enfim, de uma maratona de comemorações que o jornal Los Angeles Time estima em mais de 2000 eventos de primeiro nível sendo realizados durante todo o ano em cidades como Londres, Paris, Nova York, Roma, Buenos Aires, Tel Aviv, Miami, etc. Espero nas próximas semanas falar mais sobre as comemorações do bicentenário no Brasil, que ainda são tímidas.



A extensão da importância de Chopin pode ser também avaliada pela quantidade de títulos literários sobre sua vida. “O Funeral de Chopin”, de Benita Eisler, lançado aqui em 2005, é uma incrível viagem pelos dias finais da vida do compositor. Já em “Correspondência de Frederic Chopin” (2008), da professora de piano gaúcha Zuleika Rosa Guedes, é tradução da obra original publicada em 1981, em Paris. Outra boa sugestão é o polêmico “Chopin em Paris”, do jornalista e escritor Tad Szulc (falecido em 2001), que disseca os 18 anos em que o compositor viveu em Paris. Szulc tenta mostrar que o “grande amante” tinha, na verdade, ojeriza por mulheres e que o mito do compositor engajado politicamente era tolice. Criticado e elogiado, o livro de Szulc é uma ducha de água fria nos fãs da vida pessoal do compositor. Segundo o autor, Chopin era carreirista, um arroz-de-festa escolado que frequentava todas as reuniões que podia, e adorava dar jantares e bajular os poderosos. Certamente que para cada biografia “verdadeira” e cruel sobre o compositor, existe outra afável e que alimenta os mitos em torno de sua figura.



Todavia, o que nenhum autor, biógrafo ou estudioso discute é a qualidade de sua música, e que no fundo é o que importa na celebração de seu bicentenário. O chinês Yundi Li tinha 18 anos quando venceu o Frederick Chopin Piano Competition em 2000, e foi o mais jovem artista a conquistar o prêmio. Ouçam-no abaixo interpretando o Noturno Nº 9 do compositor, uma das mais belas peças românticas de Chopin. Os pianos vão estar mais belos em 2010, os pianistas mais concentrados na obra do compositor, e nós, ouvintes, mais agradecidos pela oportunidade de ter um ano todo com a música de Chopin mais perto de nosso coração.


O MÁGICO DE OZ

Os estúdios da Warner planejam produzir um remake em 3D de “O Mágico de Oz”, filmado com grande sucesso em 1939 pelo diretor Victor Fleming (“E o Vento Levou”), que catapultou Judy Garland ao estrelato. O filme foi baseado no livro “O Maravilhoso Mágico de Oz”, do norte-americano L. Frank Baum, publicado originalmente em 1900. A obra, uma deliciosa fantasia infantil, conta a história da garota Dorothy, que depois de uma tempestade é transportada com seu cachorro Totó para uma terra desconhecida (Oz). Lá encontra, além de homenzinhos estranhos (Munchkins), muita aventura.

Baum, que já era um autor razoavelmente conhecido, colocou a mão no bolso e custeou a primeira edição, vendendo 90 mil exemplares nos dois primeiros anos. O livro tinha ilustrações do genial cartunista W.W. Denslow, que trabalhou com Baum em outros livros da série, dividindo louros e lucros. Uma guerra de egos os afastou, brigaram, e Denslow acabou comprando uma ilha nas Bermudas, onde torrou todo dinheiro ganho nos tempos de “Oz” e acabou morrendo de pneumonia, totalmente esquecido (depois John R. Neill continuou a ilustrar a série). Muitos, ainda hoje, dizem que sem as gravuras e ilustrações de Denslow o livro não seria o sucesso que foi.

A obra de Baum foi inspiração para peças de teatro, musicais da Broadway, operetas, filmes e mais filmes, livros, HQ, sendo até mote político para campanhas eleitorais. O mundo da cultura-entretenimento se ajoelhou à fantasia de Dorothy e seus amigos, o Homem de Lata, o Espantalho e o Leão (sem esquecer a vilã, a Bruxa Má, que tenta impedi-la de voltar para casa). Baum começou a escrever muito cedo, mas antes do sucesso, como ocorre com muitos escritores, enveredou por vários caminhos tendo sido jornalista, empresário, autor teatral (uma de suas peças, “Maid of Arran”, chegou a obter sucesso), mas nunca deixando de ser um entusiasta da literatura infantil (na época, esse tipo de livro tinha uma abrangência bem diferente da de hoje). Casou-se em 1882 com Maud Gage, filha de Matilda J. Gage, uma proeminente mulher, ativista de várias causas políticas, como o sufrágio universal, que era totalmente contra o matrimônio de sua filha com um aventureiro sonhador como Baum.

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No final da década de 1880 ele e sua família (agora com dois filhos), mudaram-se para Dakota, onde Baum trabalhou por um tempo como comerciante e depois como editor de jornal. Em 1891, já com quatro filhos, viu-se cada vez mais pressionado a ter uma sustentável estabilidade financeira, e mudam-se novamente, agora para Chicago, onde Baum foi repórter e caixeiro-viajante, entre outras coisas. Mas foi lá que ele começou a escrever algumas histórias infantis, que contava a seus filhos todas as noites, sendo uma delas, “Mother Goose” (Mamãe Ganso), publicada em 1897 com relativo sucesso. Animado, Baum decide colaborar em outro livro infantil, “Father Goose” (1889), desta vez com ilustrações de seu futuro ex-amigo W.W Denslow. Agora sim, Baum acertava na mosca, sendo o livro um tremendo best-seller, só suplantado por sua criação do ano seguinte: “O Maravilhoso Mágico de Oz”. Tinha 44 anos quando esta foi publicada, e nem mesmo ele imaginava o alcance que ela teria (o filme de Fleming e Garland foi julgado como a melhor peça cinematográfica familiar de todos os tempos pelo American Film Institute, e a música do filme, “Somewhere over the Rainbow”, é uma das “Canções do Século” eleita pela Recording Industry Association of America).

Baum ficou rico, famoso, tendo escrito quase 70 obras infantis ao longo da vida, sendo inúmeros desses livros baseados na Terra de Oz, como “The Marvelous Land of Oz” (1904), “Ozma of Oz” (1907), “Dorothy and the Wizard of Oz” (1908), “The Road to Oz” (1909), “The Emerald City of Oz” (1910), “The Patchwork Girl of Oz” (1913), dentre outros. O escritor tinha problemas congênitos no coração, o que o levou a ter várias crises ao longo da vida. Com problemas graves na vesícula, Baum entrou em coma por 24 horas e morreu em 6 de maio de 1919, quando segundo testemunhas teria proferido: “Agora podemos atravessar as areias movediças”.

Outros autores continuaram a escrever centenas de livros, roteiros e novelas baseados na ideia original de Baum, incluindo seu filho Roger. Ao final da vida, empreendedor como era (tendo inclusive investido num filme sobre Oz, em 1914), o autor estava repleto de dívidas, sendo seu último livro, “Glinda of Oz”, publicado um ano após sua morte.

Baum foi audacioso, instigante, pretensioso, um visionário como só a literatura pode parir. Colocou como protagonista de sua história uma mulher (a antagonista, Bruxa Má, também é mulher), o que na época não era pouca provocação. Subverteu o “estatuto do herói”, inserindo uma criança como centro da narrativa, e permitindo que os pequenos leitores pudessem se identificar de corpo e alma com a heroína. O mágico, aquele que deveria resolver as carências e aflições dos amigos, é um blefe, destituído de atributos de magia, um farsante. De acordo com os estudiosos da psicanálise infantil, como Marie-Louise von Franz, ou da sociologia, como Dieter Richter ou Johannes Merkel, a fantasia é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil, na medida em que possibilita a solução de vários problemas pessoais inerentes ao desenvolvimento e a integração da personalidade da criança.

Talvez Baum não soubesse de nada disso, talvez fosse só um homem dotado de grande sensibilidade infantil, talvez não imaginasse que seu livro pudesse ajudar a romper barreiras (maior reconhecimento da mulher, valorização da criança, etc.), e talvez nem se importasse em saber que sua obra iria impor novas formas de fantasia que até hoje são utilizadas em larga escala. Mas Baum, sabendo ou não, repaginou a indústria dos sonhos (como Lewis Carroll já havia feito com “Alice”) e esculpiu no imaginário de gerações uma das mais ricas fantasias da literatura infantil de todos os tempos.