Chopin nasceu em 1810 em uma propriedade rural em Zelazowa Wola, perto de Varsóvia, filho de mãe polonesa e pai francês (expatriado). Fontes históricas indicam duas possíveis datas de nascimento - ou 22 de fevereiro, conforme consta nos registros da igreja, ou 1º de março, que foi mencionado nas cartas entre ele e sua mãe, e que é considerada a data mais provável. Não importa a exatidão do dia, mas a exaltação da música. Lembrar Chopin é para quem nunca quer esquecer de amar, de se emocionar, de sentir as notas entrarem pelos poros como febre, como êxtase de paixão. Chopin não inventou a beleza, mas mostrou que ela é infinita enquanto sua música é executada.
É certo que em nenhum outro lugar haverá tanto êxtase pelo bicentenário como na Polônia, notadamente em Varsóvia. “Frédéric Chopin é um ícone polonês, e não há nenhuma outra figura tão conhecida no mundo que tão bem represente a cultura polonesa”, disse Andrzej Sulek, diretor do Fryderyk Chopin Institute. O grau de seriedade das palavras de Sulek pode ser comprovado pela urna que preserva em álcool até hoje o coração do compositor, numa igreja de Varsóvia (Santa Cruz). Aos 39 anos, provavelmente tuberculoso (tossindo intensamente), Chopin teve medo de ser enterrado vivo e pediu que seu coração fosse separado do corpo, que está enterrado no cemitério Père Lachaise, em Paris, onde Chopin passou a segunda metade de sua vida.
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A celebração pelos 200 anos de seu nascimento parece não ter limite e envolve todo o globo. Um festival atrás do outro, concertos, missas, mostras artísticas, literatura, uma onda frenética de comemorações que fará de 2010 um ano especial e inesquecível para a música. Já em janeiro as comemorações se iniciaram na 16ª. edição de “La Folle Journée de Nantes”, talvez o maior festival dedicado à música clássica na França. O “Universo de Chopin” foi mostrado com apresentações de toda sua obra (em ordem cronológica) por mais de 40 pianistas. Cerca de 120 mil ingressos foram vendidos para os cinco dias do evento, uma prova inequívoca da atratividade do compositor.
Mas será no primeiro dia de março, em Varsóvia, que a celebração oficial se inicia com um Concerto de Gala no Stanislaw Moniuszko Auditorium (Teatro Nacional). Até o dia 7 de março, o pianista e maestro Daniel Barenboim, realizará recitais de Chopin em várias cidades da Europa (iniciou em fevereiro). Também em março, do outro lado do mundo, no coração dos Emirados Árabes, ocorre o “2010 Abu Dhabi Festival”, que este ano celebrará o bicentenário do compositor, numa festa monumental com a participação de nomes como o maestro Krzysztof Penderecki, o pianista Yundi Li, o trompetista Wynton Marsalis, e até a London Symphony Orchestra conduzida por Sir Colin Davis. Em maio estreia mundialmente o “Ballet Chopin,” coreografado por Patrice Bart para o Polish National Ballet. Em agosto é a vez do “65th Chopin Festival”, a ser realizado na localidade polaca de Duszniki-Zdrój, onde o compositor residiu a maior parte de sua vida criativa. Em outubro ocorre a final da 16ª. edição do “Frederyk Chopin International Piano Competition”. Também em março será reaberto oficialmente em Varsóvia o Fryderyk Chopin Museum, e no mesmo mês ocorrerá em Ontário o “Canadian Chopin Festival” (26 fevereiro – 07 março), dez dias de festa, música e até um concurso para piano (Third Canadian Chopin Competition).
O Parlamento Polonês declarou formalmente 2010 como o “Ano de Chopin”, e não o fez à toa. Inconformado com a situação de dominação de seu país, na época dividido entre Rússia, Prússia e Áustria, Chopin saiu em 1830 para uma série de recitais e nunca mais voltou a Varsóvia. Guerras, repressão, dominação soviética e toda a sorte de martírios sofreu o povo polonês desde esse período, tendo agora, como nação livre, a oportunidade de comemorar, e de certa forma reivindicar o legado do compositor (a França adora pensar que Chopin “lhe pertence”). Trata-se, enfim, de uma maratona de comemorações que o jornal Los Angeles Time estima em mais de 2000 eventos de primeiro nível sendo realizados durante todo o ano em cidades como Londres, Paris, Nova York, Roma, Buenos Aires, Tel Aviv, Miami, etc. Espero nas próximas semanas falar mais sobre as comemorações do bicentenário no Brasil, que ainda são tímidas.
A extensão da importância de Chopin pode ser também avaliada pela quantidade de títulos literários sobre sua vida. “O Funeral de Chopin”, de Benita Eisler, lançado aqui em 2005, é uma incrível viagem pelos dias finais da vida do compositor. Já em “Correspondência de Frederic Chopin” (2008), da professora de piano gaúcha Zuleika Rosa Guedes, é tradução da obra original publicada em 1981, em Paris. Outra boa sugestão é o polêmico “Chopin em Paris”, do jornalista e escritor Tad Szulc (falecido em 2001), que disseca os 18 anos em que o compositor viveu em Paris. Szulc tenta mostrar que o “grande amante” tinha, na verdade, ojeriza por mulheres e que o mito do compositor engajado politicamente era tolice. Criticado e elogiado, o livro de Szulc é uma ducha de água fria nos fãs da vida pessoal do compositor. Segundo o autor, Chopin era carreirista, um arroz-de-festa escolado que frequentava todas as reuniões que podia, e adorava dar jantares e bajular os poderosos. Certamente que para cada biografia “verdadeira” e cruel sobre o compositor, existe outra afável e que alimenta os mitos em torno de sua figura.
Todavia, o que nenhum autor, biógrafo ou estudioso discute é a qualidade de sua música, e que no fundo é o que importa na celebração de seu bicentenário. O chinês Yundi Li tinha 18 anos quando venceu o Frederick Chopin Piano Competition em 2000, e foi o mais jovem artista a conquistar o prêmio. Ouçam-no abaixo interpretando o Noturno Nº 9 do compositor, uma das mais belas peças românticas de Chopin. Os pianos vão estar mais belos em 2010, os pianistas mais concentrados na obra do compositor, e nós, ouvintes, mais agradecidos pela oportunidade de ter um ano todo com a música de Chopin mais perto de nosso coração.